sábado, 11 de outubro de 2008

DIGA NÃO A MAFIA QUE SE CHAMA SARNEY'S

Fernando Sarney é acusado de chefiar organização criminosa


O empresário Fernando José Macieira Sarney, superintendente do Sistema Mirante (retransmissora da Rede Globo no Maranhão), teve sua prisão preventiva pedida pela Polícia Federal ao juiz da 1ª Vara Federal, Neian Milhomem Cruz, em 18 de agosto passado. O Ministério Público Federal (MPF), baseado no inquérito da PF, também pediu ao juiz Milhomem Cruz, em 27 de agosto, a prisão de Fernando, só que temporária (processo Nº 2008.37.00.006229-0). Outras pessoas também tiveram prisão pedida – 15 pela PF e 12 pelo MPF – e também houve solicitações de busca e apreensão e vários endereços e seqüestro de bens (veja quadro explicativo). Os pedidos da PF e do MPF foram formalizados depois de uma ampla investigação – que começou em 16 de fevereiro de 2007 e utilizou escutas telefônicas e interceptações de e-mails autorizadas pela Justiça, além de quebras de sigilos fiscais e bancários. A investigação desvendou, segundo os termos registrados pelo MPF, “diversos crimes cometidos por Fernando Sarney e demais agentes não só no Maranhão, mas em vários estados da federação”. Para o Ministério Público, Fernando Sarney “funciona como chefe” de diversas “células criminosas, que apesar de independentes entre si, interligam-se na pessoa do requerido [Fernando]”. Crimes contra o sistema financeiro nacional, contra a administração pública, falsidade ideológica, fraude em licitação, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas são os ilícitos elencados tanto pela PF como pelo Ministério Público para pedir a prisão de Fernando e das demais pessoas envolvidas com o “esquema criminoso”, segundo os órgãos de investigação.

O policial federal Aluísio Guimarães Mendes Filho também teve sua prisão (preventiva) pedida pela PF e pelo MPF. As investigações concluíram que Aluísio era usado por Fernando Sarney para que o empresário tivesse acesso a informações sigilosas dentro da PF relativas a ações e investigações que o tinham como alvo. Conforme a PF, Aluísio Guimarães é assessor de Segurança do senador José Sarney, pai de Fernando.

O juiz Neian Milhomem Cruz negou todos os pedidos de prisão, assim como os de busca e apreensão e seqüestro de bens. Temeroso com a possibilidade de ser preso a qualquer momento, Fernando Sarney já obteve um salvo-conduto preventivo, segundo informou a revista IstoÉ Dinheiro. Os crimes perpetrados por Fernando Sarney e Cia. são tantos – e de tão variado naipe – que a PF e o MPF tiveram de separar em tomos os diversos ilícitos. Cada tomo tem a ver com o que o MPF chama de “célula criminosa”.

Empresas fora da lei – A primeira “célula” refere-se à atuação fora da lei das empresas da família Sarney: Mirante, Gráfica Escolar e São Luís Factoring. Foi uma comunicação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf, órgão do Ministério da Fazenda) à PF, no início de fevereiro de 2007, sobre operações financeiras suspeitas, abrangendo essas três empresas, que fez com que viesse à luz a teia criminosa construída no seio do clã Sarney. As operações suspeitas envolviam contas cujos titulares eram Fernando Sarney, Teresa Cristina Murad Sarney, Eduardo Carvalho Lago, Televisão Mirante Ltda., Gráfica Escolar S/A, São Luís Factoring e Fomento Mercantil Ltda.

O que fez o Coaf sentir cheiro de irregularidade foi uma seqüência esquisita de operações, que começou em 23 de outubro de 2006 (vésperas do segundo turno das eleições para o governo estadual, em que Roseana Sarney foi derrotada por Jackson Lago). Nesse dia, houve uma transferência de R$ 2 milhões de uma conta corrente mantida no HSBC (agência 737, conta 73772847118), em que Eduardo Carvalho Lago aparece como titular, a favor da conta da Gráfica Escolar. No dia seguinte (24.10.2006), o mesmo valor foi devolvido à conta de Eduardo Lago, da qual foi novamente transferido para a conta conjunta de Fernando Sarney e Teresa Cristina Murad Sarney, respectivamente ex-sócio e sócia da Gráfica Escolar. O montante (R$ 2 milhões) foi sacado por Fernando Sarney em espécie, em 25.10.2006 (R$ 1,8 milhão) e 26.10.2006 (R$ 800 mil).

A ‘farra’ do Marafolia – O segundo tomo do “dossiê Fernando Sarney” refere-se ao Marafolia, empreendimento que, segundo o MPF, “foi constituído com a ocultação dos verdadeiros sócios [Fernando Sarney e Teresa Murad Sarney] e teve a interposição de ‘laranjas’, quais sejam: Dulce Marieta Britto Freire, Roberto Wagner Gurgel Dantas, Walfredo Dantas de Araújo e Thucydides Barbosa Frota”. A PF e o MPF apuraram que, com exceção de Thucydides Frota, os outros “sócios” do Marafolia – Dulce Britto, Roberto Wagner Dantas e Walfredo de Araújo – não possuem patrimônio nem condições financeiras compatíveis com a dimensão e os lucros do empreendimento”.

Outro fato que soou estranho aos investigadores foi a negociação de patrocínios para eventos artísticos da Mirante, tanto o Marafolia como outros. Escutas telefônicas da PF captaram conversas entre Fernando Sarney e os coordenadores dos eventos, nas quais fica claro que os valores recebidos por patrocinadores – grandes empresas, como a Abyara e a Vale – superam em muito os referentes aos custos de realização do evento. “Quanto nós estamos pedindo lá na Vale?”, pergunta Fernando Sarney a um dos coordenadores de eventos da Mirante, de nome Márcio. Fernando estava interessado num patrocínio da Abyara para o Circo da China. Márcio responde: “Estamos pedindo na Vale R$ 500 mil, fechado, mas o valor do projeto mesmo é R$ 200 mil”.

Nessa área de “entretenimento”, a empresa Clube Jamaica Brasileira, cuja “proprietária visível” é Dulce Marieta Britto Freire, também despertou suspeitas do MPF. Entre 2005 e 2006, o clube movimentou quantia superior a R$ 4 milhões, apesar de funcionar esporadicamente e cobrar ingressos a preços módicos, uma vez que é freqüentado pela parcela mais carente da população de São Luís.

Máfia no setor energético e de transportes – A parte do dossiê à qual o Ministério Público Federal dedicou mais espaço – 25 páginas – foi a atuação da “organização criminosa” (denominada assim pelo próprio MPF), integrada por Fernando Sarney e outros denunciados, nos setores energético e de transportes. Nesse tomo, os procuradores da República Thainá Freire de Oliveira e Marcílio Nunes Medeiros detalharam o modus operandi dos integrantes do esquema nessas duas áreas, e revelaram sua ramificação em vários estados do país, com integrantes da organização infiltrados em elevados cargos do Poder Executivo Federal.

Descreve o MPF: “A estratégia da organização criminosa revelou-se da seguinte forma: Fernando Sarney uniu-se a Silas Rondeau (ex-ministro de Minas e Energia e membro do Conselho Administrativo da Petrobras) e Astrogildo Quental (diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Eletrobrás), os quais posteriormente cooptaram Ulisses Assad (diretor de Engenharia da Valec) para perpetrar negociatas envolvendo contratos públicos nos setores energético e de transportes, uma vez que possuem trânsito livre para conseguirem manipular licitações promovidas por órgãos desses setores”. Prossegue o MPF: “O grupo criminoso, com poder de influência no resultado das licitações realizadas em sua área de atuação, bem como nas fiscalizações das obras, cooptava empresas que tinham interesse em realizar obras nesse setor, para que estas, após a celebração dos contratos, subempreitassem parte do projeto a empresas formalmente pertencentes a Gianfranco Antonio Vitório Arthur Perasso, Flávio Barbosa Lima, parentes destes ou pessoas próximas. Nos contratos de subcontratação era cobrado o ‘deságio’, expressão utilizada pelo grupo para denominar ‘propina’”. De acordo com o MPF, além das licitações forjadas e contratos espúrios, ainda há provas nos autos da existência de fraudes na execução das obras, por meio de superfaturamento, construções a menor, medições fictícias etc. “As fraudes na execução são possíveis porque o grupo criminoso, além de ser composto por membros que estão em posição privilegiada dentro da Petrobras, da Eletrobrás e da Valec, ainda possui colaboradores dentro dos órgãos de fiscalização, como, por exemplo, Márcia da Silva Barros (auditora interna da Valec), um funcionário de nome Ricardo (que trabalha na Controladoria Geral ou no Tribunal de Contas da União) e outro de nome Ezequiel (que permite que as próprias fiscalizações realizadas in loco sejam manipuladas).